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Caixa de Afecções

Histórias de Cronópios e Famas

Júlio Cortázar

            A tarefa de amolecer diariamente o tijolo, a tarefa de abrir caminho na massa pegajosa que se proclama mundo, esbarrar cada manhã com o paralelepípedo de nome repugnante, com a satisfação canina de que tudo esteja em seu lugar, a mesma mulher ao lado, os mesmos sapatos e o mesmo sabor da mesma pasta de dentes, a mesma tristeza da casa em frente, do sujo tabuleiro de janelas de tempo com seu letreiro HOTEL DE BELGIQUE [...] E não é mau que as coisas nos encontrem outra vez todo dia e sejam as mesmas... Mas como um touro triste é preciso baixar a cabeça, do centro do tijolo de cristal empurrar para fora, em direção ao outro tão perto de nós, inacessível como o toureiro tão perto do touro […] Quando abrir a porta e assomar à escada, saberei que lá embaixo começa a rua; não a norma já aceita, não as casas já conhecidas, não o hotel em frente; a rua, a floresta viva onde cada instante pode jogar-se em cima de mim como uma magnólia, onde os rostos vão nascer quando eu os olhar, quando avançar mais um pouco, quando eu arrebentar todo com os cotovelos e as pestanas e as unhas contra a pasta de tijolo de cristal, e arriscar minha vida enquanto avanço passo a passo para ir comprar o jornal na esquina

 

Vídeo - (Cortazar fala sobre como seu 'corpo vibrátil' rastreou Cronópios e Fama)

O que pode ser uma caixa?

Vamos encontrar uma variada gama de definições e sentidos para 'caixa' que variam segundo o uso, o contexto, o lugar, o local

Caixa: substantivo comum feminino ou masculino

 

No dicionário Aurélio

 S.f. Recipiente de madeira, de cartão, de metal ou de matéria plástica; estojo, receptáculo. Comércio. Seção dos bancos e outros estabelecimentos comerciais ou de repartições públicas onde se fazem recebimentos ou pagamentos em dinheiro. Teatro. Parte do teatro onde ficam os camarins dos atores. Caixa craniana. Cavidade óssea que contém o cérebro. Mecânica. Caixa de eixo, dispositivo que recebe a extremidade do eixo de um vagão de estrada de ferro para lubrificação. Caixa de fumaça. Parte da caldeira de uma locomotiva que a fumaça atravessa antes de escoar-se pela chaminé. Caixa do correio. Caixa em que se depositam as cartas. Automóvel. Caixa de mudanças, mecanismo de mudança de velocidade, nos veículos motorizados. Tipografia. Caixa alta, compartimento onde ficam as letras maiúsculas e, p. ext., a composição impressa em maiúsculas, dita também em versal. Caixa baixa, aquela onde ficam as letras minúsculas.  Caixa de descarga. Depósito de água destinada à lavagem dos vasos sanitários. Caixa econômica. Instituição bancária oficial.

Caixa de pensão e aposentadoria. Instituição de previdência em grupo. Música. Caixa de música, mecanismo ou instrumento que, instalado em estojo, produz sons musicais. S.m. Funcionário que tem a seu cargo o recebimento e o pagamento em dinheiro. O (livro) caixa de contabilidade.

 

Na filosofia

Em uma conversa entre Michel Foucault e Gilles Deleuze sobre se a teoria expressa ou não uma prática, Deleuze comenta que uma teoria é como uma caixa de ferramentas, nada tem a ver com o significante […] É preciso que sirva, é preciso que funcione. E não para si mesma. Se não há pessoas para utilizá-la, a começar pelo próprio teórico que deixa então de ser teórico, é que ela não vale nada ou o momento ainda não chegou...

Na Saúde Coletiva

Merhy nos propõe a caixa de ferramentas como o “conjunto de saberes que se dispõe para a ação de produção dos atos de saúde“. Vejamos como aparece em seu artigo – O ato de Cuidar: a alma dos serviços de saúde? Sabemos, por experiências como profissionais e consumidores, que quanto maior a composição das caixas de ferramentas (que, aqui, é    entendida como o conjunto de saberes que se dispõe para a ação de produção dos atos de saúde), utilizadas para a conformação do cuidado pelos trabalhadores de saúde, individualmente ou em equipes, maior será a possibilidade de se compreender o problema de saúde enfrentado e maior a capacidade de enfrentá-lo de modo adequado, tanto para o usuário do serviço quanto para a própria composição dos processos de trabalho.

 

Na arte

Fomos buscar inspiração na obra de Duchamp: Tudo o que fiz de importante pode ser colado numa pequena valise.

A Caixa-valise Com essas caixas, Duchamp se apropria de seus próprios trabalhos, presta anotações e organiza sua obra então fotografada ou refeita materialmente em miniaturas, apresentando os três procedimentos base da poética do arquivo na contemporaneidade: o registro ou apropriação, o deslocamento e a recontextualização. No pensamento de Foucault, o arquivo mantém sua íntima relação com o passado, mas não se limita ao lugar reservado à guarda dos documentos pertencentes à memória coletiva. O arquivo, nessa perspectiva, é antes um espaço epistêmico de visibilidade de um determinado saber junto ao qual são desenvolvidos discursos, práticas e mecanismos de organização, de disposição e de autorização desse mesmo saber. 

 

 

 

 

Agora vamos a outro conceito que nos agenciou para propor a Caixa de Afecções

Para o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, afecção provém do latim affectione, ação de afetar, influência; estado resultante da influência sofrida; modificação. Num sentido amplo e filosófico, afectar significa atuar sobre um ser vivo, especialmente consciente, maximé (em especial) em sua sensibilidade e sentimentalidade ou em seus interesses vitais.

Para Gilles Deleuze, a afecção é o estado de um corpo quando ele sofre a ação de outros corpos, é uma "mistura de corpos" em que um corpo age sobre outro e este recebe as relações características do primeiro. E, correlativamente, as ideias afecção indicam o estado do corpo modificado, sua constituição presente, mas não explicam a natureza do corpo que o afeta...elas não expressam a essência do corpo exterior, mas indicam a presença desse corpo e seu efeito sobre nós.

'O corpo é causa, produção ou funcionamento'. Um corpo: aquela voz rouca, um riso solto, uma brisa fresca, um vento forte e sibilante, a temperatura morna, um copo, um livro, um som, um poema, um corpo.

O encontro entre dois corpos produz afeto. Para Espinosa, “o corpo humano pode ser afetado de muitas maneiras, pelas quais sua potência de agir é aumentada (alegria) ou diminuída (tristeza)“.

 

Para apoiar os registros contidos nesse “sitfólio”, como carinhosamente batizei, cartográfico, oferto uma série de dispositivos de dizibilidade, que consiste em olhar para os objetos “depositados” nesta caixa e respondo  às perguntas:

 

· O que vejo?

· O que penso do que eu vejo?

· O que faço com o que penso do que eu vejo? 

Quando a caixa for aberta, espero que se abram também os múltiplos sentidos e modos de operá-los nos movimentos e percursos que terei ao longo da Saúde Coletiva.

 

Convido aos colegas, professores e simpatizantes da causa de defesa e fortalecimento da SUS a abrir a minha caixa e responder as perguntas acima!!

 

 

Referência:

EPS EM MOVIMENTO. Caixa de Afecções. 2014. Disponível em: <http://eps.otics.org/material/entrada-experimentacoes/arquivos-em-pdf/caixa-de-afeccao> . Acesso em: 09 set. 2015.

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